“Meu cabelo me representa”: histórias sobre aceitação do cabelo crespo
- 7 de junho de 2019
- 15:44
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- Tayla Pinotti
Ruim, duro, bombril: essas são as palavras que muitas pessoas com o cabelo tipo 4abc crescem ouvindo. O preconceito com o cabelo crespo ainda acontece nos dias atuais, mas ele tem origem histórica e cultural.
Durante o Apartheid, na África do Sul, se houvesse dúvida sobre a raça de uma determinada pessoa, o chamado “teste do lápis” era realizado para definir se ela era branca ou negra.
Esse teste consistia em colocar um lápis no meio dos cabelos da pessoa. Se o objeto escorregasse e caísse, significava que a pessoa era branca. Mas, se o lápis ficasse preso, era negra.
Mesmo depois de mais de 50 anos, esse preconceito não foi totalmente desconstruído e, por mais que o Brasil seja um país multiétnico, a intolerância ainda prevalece.
Histórias sobre aceitação do cabelo crespo
Andressa Furtado da Silva é crespa e disse que fez diversas entrevistas de emprego “com o cabelo arrumado”, mas nunca foi contratada. “Eu gosto do meu cabelo, mas parece que a sociedade não gosta”, comenta a estudante.
Como consequência desse preconceito, vemos que, desde muito cedo, meninas e meninos são familiarizados com ferramentas como secador e chapinha e não é raro ver crianças com menos de 10 anos de idade com os cabelos crespos alisados com química.
Quando se deparam com situações e comentários racistas e preconceituosos, o primeiro impulso é querer alisar os fios.
A estudante de psicologia Carolina Macedo é mãe de um menino e duas meninas que já sofreram repressão na escola por causa da curvatura de seus fios.
“Eu deixo a escolha na mão deles, mas sempre falo para questionarem se vai valer a pena. Pergunto se com o cabelo liso, se eles serão eles mesmos. Infelizmente, nós que somos mães, às vezes, pensamos em ceder por ver os filhos sofrendo preconceito.”
Para trabalhar a aceitação e afirmação das três crianças, Carolina tenta inseri-las em ambientes com maior representatividade, como em manifestações ou exposições culturais.
“Eu sempre me senti um patinho feio na infância, nunca me identifiquei com o padrão. Hoje vejo que a aceitação e o empoderamento devem vir desde criança. Eu faço questão de mostrar os cabelos crespos para meus filhos e reforçar que eles são lindos”.
Homens e mulheres negros crescem com a autoestima e psicológico abalados e, por isso, é tão difícil abrir mão do alisamento e, consequentemente, do padrão de beleza imposto pela sociedade.
Depois de 28 anos de alisamento, a psicóloga Pâmela Leonardo decidiu abdicar das químicas no seu cabelo. “Eu tinha ido ao salão para alisar mais uma vez e o cabeleireiro falou para mim ‘difícil esse seu cabelo, hein?’ e foi aí que eu pensei ‘chega, eu preciso do meu cabelo natural de volta’”, relatou.
O comentário motivou Pâmela a passar pela transição capilar e aceitar o seu cabelo, mesmo já nem lembrando mais como ele era. “Valeu cada segundo. É muito melhor cuidar do meu cabelo como ele é: afro e volumoso. Hoje eu sei que essa sou eu, me olho no espelho e vejo a Pâmela. Eu não vejo uma parcela de mim, eu me vejo inteira”.
E se engana quem acha que só as mulheres sofrem com repressão por causa do cabelo crespo. O bailarino Kauê Francisquini passou a infância e a adolescência toda raspando a cabeça por causa dos comentários que ouvia sobre o seu cabelo. No ano de 2014, decidiu que ia deixar o cabelo, finalmente, crescer.
“Meu cabelo faz parte de mim, sem ele, eu não seria o Kauê que eu sou hoje. Mudou completamente a minha autoestima e eu me sinto bem melhor”.
A aceitação do cabelo crespo é um ato de resistência e poder. É muito mais do que aceitar uma curvatura: é aceitar, também, a própria identidade. Lembre-se: não existe cabelo ruim, ruim é o preconceito de quem diz que sim!